Alergia às proteínas do leite de vaca em crianças

Alergia às proteínas do leite de vaca em crianças

Bruna Silveira Braga | CRN9 21030

Nutricionista Materno-Infantil – UFOP/MG 2017 | H. Clin. UFMG

Especialista em Nutrição Neonatal e Pediátrica – Santa Casa BH

Consultora em Amamentação – Inst. NeuroNutri


Alergia Alimentar como é definida pelo National Institute of Allergy and Infectious Disease (NIAID), parte do National Institutes of Health (NIH), EUA, é a “resposta imunológica adversa reprodutível que ocorre à exposição de um dado alimento, que é distinta de outras reações adversas a alimentos, tais como intolerância alimentar, reações farmacológicas e reações mediadas por toxinas”. Ou seja, a alergia alimentar mediada pela imunoglobulina E (IgE) ou não mediada, é uma reação adversa do sistema imunológico quando há contato e/ou ingestão do alimento alergênico. Um exemplo desta situação é a alergia às proteínas do leite de vaca (APLV).

Os alérgenos alimentares são componentes específicos de determinado alimento, em sua maioria glicoproteínas hidrossolúveis, estáveis a diferentes temperaturas e resistentes à ação de ácidos e enzimas digestivas. Células específicas do sistema imunológico reconhecem estes alérgenos potenciais, e desencadeiam uma resposta imunológica humoral (mediada por IgE) ou celular, que resultam em manifestações clínicas características dos sintomas alérgicos como exemplos: erupções, inchaço sob a pele ou urticária, coceira, cólicas, diarreia ou constipação intestinal, enterorragia (fezes sanguinolentas), formigamento nos lábios, inchaço facial ou rubor, dificuldade respiratória e asma, esofagite eosinofílica, gastroenteropatia eosinofílica, dermatite atópica e anafilaxia.

Em crianças, nos primeiros anos de vida, a incidência de APLV está entre 0,3% e 7,5%. Por outro lado, empregando-se o critério de autorrelato, tais índices chegam a variar entre 5% e 15%. No Brasil, um estudo observacional entre pediatras gastroenterologistas revelou ser a prevalência de suspeita de ALPV entre crianças com sintomas gastrointestinais de 5,4%, e a incidência de 2,2%.

O leite de vaca contém proteínas (30-35g/ L), que podem induzir a formação de anticorpos específicos em indivíduos com predisposição genética. A caseína e as proteínas do soro (alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina) representam aproximadamente 80% e 20% respectivamente do total de proteínas do leite de vaca. No entanto estas proteínas também podem ser encontradas no leite de outras espécies de mamíferos. A maior similaridade com o leite de vaca ocorre com o leite de cabra e ovelha em função do alto teor de proteínas, especialmente caseínas, presentes no leite destes mamíferos. Por este motivo, leites de cabra e de ovelha não devem ser utilizados como substitutos em pacientes com APLV.

A base do tratamento da APLV, após um diagnóstico preciso, é a dieta de exclusão de leite de vaca e derivados. Geralmente, quando a criança estiver em aleitamento materno, a mãe é submetida a uma dieta de exclusão, podendo a suplementação de cálcio ser necessária. O leite materno possui substâncias que estimulam a imunidade do bebê, além de substâncias anti-inflamatórias e anti-infecciosas – protetoras da mucosa intestinal, probióticos naturais e principalmente, fatores de que levarão a maturidade do trato gastrointestinal que ajudam na recuperação do intestino do bebê com APLV. Sendo assim, o leite materno ainda é o padrão ouro no que diz respeito à alimentação infantil e, por isso, ao diagnosticar a APLV no seu bebê a mãe não deve interromper a amamentação, a não ser por orientação de um profissional capacitado, seja ela exclusiva ou não.

Na grande maioria das vezes, a APLV tem curso limitado e, portanto, a tolerância ao alimento deve ser periodicamente testada, sob rigoroso acompanhamento médico e multiprofissional, exceto em situações de anafilaxia (reação alérgica mais grave) associada à presença de anticorpos específicos às proteínas do leite. O objetivo do tratamento com a dieta de exclusão é evitar o aparecimento de sintomas e proporcionar à criança melhor qualidade de vida e crescimento e desenvolvimento adequados. E deve ser acompanhamento com nutricionista responsável pois a exclusão sem orientação pode levar ao quadro de desnutrição e interferências no crescimento e desenvolvimento.

A educação nutricional e o reforço da importância da exclusão completa do LV e derivados da dieta realizados em todas as consultas, com a participação de equipe multiprofissional, são essenciais para o sucesso do tratamento. Com isso, a introdução da alimentação complementar em crianças com APLV deve seguir os mesmos princípios do preconizado para crianças saudáveis, não há restrição na introdução de alimentos contendo outras proteínas conhecidas como potencialmente alergênicas, como ovos, peixe, carne bovina, de frango ou porco, a partir do sexto mês em crianças amamentadas ou em uso de fórmulas infantis.

Em crianças com idade inferior a um ano, 80% dos casos de alergia alimentar relacionam-se ao leite de vaca. As doenças alérgicas são determinadas por fatores genéticos e ambientais. Crianças que possuem ao menos um parente de primeiro grau com histórico de alergia alimentar são consideradas de risco. Nas últimas décadas tem sido constatado aumento expressivo da prevalência de doenças alérgicas, incluindo as alergias alimentares, sendo este fato atribuído ao estilo de vida e hábitos alimentares dos pais evidenciando que fatores epigenéticos merecem destaque no planejamento de uma gestação.

Além disso, a exposição precoce às proteínas do leite, antes dos 12 meses de idade também tem grande contribuição no aumento das manifestações alérgicas em crianças. Isso se deve ao fato de que ao nascer o intestino e o sistema de defesa do bebê ainda estão terminando de se formar, ou seja, “aprendendo” a fazer a digestão dos alimentos e a defender o organismo contra substâncias nocivas. Ofertar precocemente o leite de vaca para bebês, principalmente nos primeiros dias de vida, aumenta as chances de a criança desenvolver APLV, pois os órgãos do trato digestório ainda não estão prontos e a criança poderá ter dificuldade de digeri-lo, absorvendo suas proteínas inteiras, antes de serem digeridas em aminoácidos.
O sistema de defesa do bebê, que também está em fase de maturação, pode confundir a proteína do leite de vaca com algo nocivo e começar a reagir, desencadeando a alergia.

A alimentação da criança deve ser acompanhada de perto por um profissional nutricionista para que observe como está a absorção dos nutrientes do bebê, garantindo que não ocorra nenhuma deficiência nutricional e que seu crescimento e desenvolvimento sejam mantidos dentro da curva de normalidade.

 

Referências:

Protocolo Clínico para Pacientes do Programa de Alergia à Proteína do Leite de Vaca [recurso eletrônico] / Secretaria da Saúde do Estado do Ceará. – 2 ed. – Fortaleza: Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, 2019.

Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia, Guia prático de diagnóstico e tratamento da alergia às proteínas do leite de vaca mediada pela imunoglobulina E. Rev Bras Alerg Imunopatol. 2012; 35(6):203-33.

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