Sensibilidade não-celíaca ao glúten e doença celíaca

Sensibilidade não-celíaca ao glúten e doença celíaca

O glúten é uma proteína presente nos cereais mais consumidos no mundo, e é constituído por um grupo de proteínas: prolaminas e glutelinas, encontradas em grãos como o trigo (gliadinas e gluteninas, respectivamente), centeio (secalinas e secalininas), aveia em menores proporções (aveninas e avenalinas) e cevada (hordeínas e hordeninas).

Dentre as reações adversas ao glúten temos a doença celíaca (DC), alergia ao trigo (AT) e sensibilidade não-celíaca ao glúten ou ao trigo (SNCG/T). A doença celíaca é uma doença autoimune inflamatória crônica, a qual se desenvolve em indivíduos geneticamente predispostos, levando à má absorção de nutrientes. A alergia ao trigo é uma reação de hipersensibilidade, mediada ou não mediada pela imunoglobulina E (IgE). Enquanto a sensibilidade não-celíaca ao glúten ou ao trigo possui uma fisiopatologia ainda discutida.

Em pouco mais de uma década, observamos que a alimentação sem glúten chamou a atenção por um modismo de proporções globais. A “dieta sem glúten” ganhou popularidade crescente como “dieta saudável” e até “dieta emagrecedora,” movimentando um mercado de bilhões de dólares (BOARIM, 2018).

 

Doença celíaca

DC é uma condição imunomediada multissistêmica crônica ocorrida pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente predispostos e com uma prevalência mundial de 1–1,5%. Atualmente, a única conduta eficaz para DC é a adesão ao longo da vida à uma dieta sem glúten, que melhora os sintomas e protege contra complicações.

A cascata patogenética da DC começa com a ingestão de glúten, provocando a superexpressão da zonulina – uma enterotoxina secretada pelas células epiteliais intestinais reguladora da atividade das tight junctions e da função de barreira intestinal (TAJIK et al., 2020) – e a ativação de células T mediada pelas células apresentadoras de antígenos, juntamente com a resposta imune inata mediada por IL-15. O aumento da cascata inflamatória causa linfocitose intestinal, superexpressão de receptores natural killer e apoptose de enterócitos. Como a perda de enterócitos não é suficientemente compensada por uma rápida substituição epitelial derivada de células-tronco, ocorre hiperplasia de cripta intestinal e atrofia de vilosidades. Além disso, quando os peptídeos de gliadina atravessam o revestimento epitelial alterado e atingem a corrente sanguínea, eles aumentam a inflamação, espalhando assim a resposta imunológica e causando manifestações extra-intestinais (MUMOLO et al.,
2020).

Sensibilidade ao glúten/trigo não celíaca

Segundo Volta e colaboradores (2017), os possíveis mecanismos fisiopatológicos da sensibilidade ao glúten/trigo não celíaca incluem ativação imune inata e adaptativa, barreira epitelial intestinal prejudicada e alterações no microbioma intestinal. Em pacientes com SNCG/T ocorre uma resposta imune sistêmica aos antígenos microbianos e do trigo, juntamente com o dano das células intestinais (BOARIM, 2018).

SNCG/T é uma condição caracterizada por sintomas intestinais e extra-intestinais que ocorrem logo após a ingestão de glúten e/ou outras proteínas presentes em cereais como: trigo, espelta (trigo-vermelho), triticale, centeio, cevada e seus derivados. Os sintomas intestinais podem variar, sendo os mais comuns: inchaço, dor abdominal, movimentos intestinais alternados, diarreia fraca ou constipação e/ou sintomas semelhantes ao refluxo gastroesofágico (azia, plenitude pós-prandial, saciedade precoce, náuseas e vômitos). As manifestações extra-intestinais mais comuns são: dor de cabeça, ansiedade, depressão, mente nebulosa, sintomas semelhantes aos da fibromialgia e dermatite/erupções cutâneas (CAIO et al., 2020). Entre os sintomas extra-intestinais, além dos citados acima, mencionam-se déficit de atenção, baixo peso, eczema, anemia, parestesias, artralgias, e dor muscular. Nas crianças, as manifestações intestinais são mais frequentes. (BOARIM, 2018).

Nota-se que os sintomas melhoram rapidamente com a retirada dos cereais contendo glúten/trigo. Embora o glúten tenha sido o primeiro responsável suspeito da geração de sintomas em sensibilidade não celíaca, outros componentes do trigo e cereais relacionados podem desempenhar um papel patogenético, como inibidores de amilase/tripsina (ATIs), oligossacarídeos fermentáveis, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis (FODMAPs) (MUMOLO et al., 2020).

Uma barreira intestinal prejudicada foi demonstrada em pacientes com a sensibilidade não celíaca tanto in vivo quanto em ex vivo. Notavelmente, a dieta isenta de glúten leva a uma normalização desses marcadores demonstrando uma ligação entre dieta, barreira intestinal e ativação imune sistêmica. (CAIO et al., 2020).

Uma proporção significativa de pacientes com SNCG/T parece apresentar má absorção intestinal leve, resultando em baixos níveis de vitamina D, ferritina e ácido fólico, de ferro, além do baixo peso (VOLTA et al, 2018).

A dieta isenta de glúten pode ser uma abordagem dietética apropriada para pacientes com sintomas autorrelatados de dependência de glúten/trigo. Em qualquer caso, recomenda-se uma abordagem personalizada, acompanhamento regular e a intervenção de um nutricionista especializado (MUMOLO et al., 2020).

Referências:

BOARIM, Daniel de Sá Freire. Sensibilidade não-celíaca ao glúten. International Journal of Nutrology, Lapa, PR, Brasil, p. 1-9, 10 dez. 2018. Doi: 10.1055/s-0039-1681015.

TAJIK, Narges et al. Targeting zonulin and intestinal epithelial barrier function to prevent onset of arthritis. Nature Communications, [S. l.], p. 1-14, 24 abr. 2020. Doi: 10.1038/s41467-020-15831-7

MUMOLO, Maria Gloria et al. Is Gluten the Only Culprit for Non-Celiac Gluten/Wheat Sensitivity?. Nutrients, [S. l.], p. 1-23, 7 dez. 2020. Doi: 10.3390/nu12123785

CAIO, Giacomo et al. Effect of Gluten-Free Diet on Gut Microbiota Composition in Patients with Celiac Disease and Non-Celiac Gluten/Wheat Sensitivity. Nutrients, [S. l.], p. 1-23, 17 jun. 2020. Doi: 10.3390/nu12061832

VOLTA, Umberto et al. “Nonceliac Wheat Sensitivity: An Immune-Mediated Condition with Systemic Manifestations.” Gastroenterology clinics of North America vol. 48,1 (2019): 165-182. doi:10.1016/j.gtc.2018.09.012

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